Manifesto em defesa da Cultura






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Destruição e perversão do princípio de serviço público; estrangulamento financeiro; desmantelamento, redução e desqualificação de serviços; centralização e agregação burocrática de instituições; mercantilização: as políticas de agressão à Cultura seguidas pelos últimos governos criaram uma situação insustentável. O PRACE do governo PS gerou uma estrutura ineficiente e enfraquecida, em diversos aspectos irracional, que colocou serviços e instituições à beira da paralisia e do colapso, situação que os sucessivos PEC’s agravaram brutalmente. Com o governo PSD/CDS, aos cortes cegos seguiu-se a reestruturação cega. O PREMAC vai ainda mais longe nos aspectos negativos do PRACE. Num enunciado de fusões, extinções, criações/fusões/extinções sem qualquer fundamentação séria conhecida, esta reestruturação cega leva ao limite a situação de crise geral existente nas estruturas da administração central com responsabilidades nas diferentes dimensões da actividade cultural.

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A situação de estrangulamento financeiro, que já colocara o orçamento para a Cultura muito abaixo do nível da subsistência, agrava-se com novos cortes agora sob a bandeira da “austeridade” imposta pela troika e servilmente aceite por PS, PSD e CDS. Instituições e apoios fundamentais vêem ainda mais reduzidas as verbas com as quais já dificilmente exerciam a sua actividade ou se mantinham em funcionamento. Antes com os PEC’s, agora com o “memorando”, a anterior ministra e o actual secretário de estado justificavam este estrangulamento com o patético argumento de uma distribuição equitativa entre as diferentes áreas de governo. Argumento desonesto e absurdo: o OE/2012 prevê para toda a Cultura cortes que agravam os de 2011, reduzindo todo o financiamento do estado às artes e à Cultura a 6,7% do que até agora o Estado já entregou à banca, nomeadamente para dar cobertura ao buraco do BPN.

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Para as áreas do Património Edificado, dos Museus, dos Sítios Arqueológicos, das Bibliotecas, dos Arquivos, a catástrofe é iminente. No conjunto, e para além do financiamento indigente, é o condicionamento extremo nas actividades de preservação, investigação, dinamização que está em causa, com uma ainda maior rarefacção e precariedade de pessoal qualificado e técnica e cientificamente especializado, é a centralização e a burocratização da gestão conjunta. E com o cerceamento da iniciativa própria, que para o secretário de estado aparentemente se resumirá à busca de fontes de financiamento exteriores, seja a que preço for. Desenha-se uma radical redução do número de instituições que integram os Museus Nacionais, redução que, sendo previsivelmente conduzida segundo os cegos critérios do PREMAC, nada terá a ver com o reforço, o equilíbrio e a requalificação cultural e científica. 

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“Austeridade” na cultura não destrói só o que existe, destrói o que fica impedido de existir. A criação contemporânea, os apoios aos teatros nacionais e ao cinema encaminham-se para uma ainda maior desresponsabilização do Estado e para a simples entrega aos mecanismos do mercado. O anunciado condicionamento dos apoios aos resultados de bilheteira, a suspensão dos contratos INOV-ART, o cancelamento do protocolo com a AICA, a perda de autonomia financeira do ICA com o corte de 4,4 milhões de euros, a indefinição acerca do futuro e do papel da DGArtes, a drástica redução dos orçamentos dos Teatros Nacionais – bem como a pretensão do secretário de estado de opinar acerca da sua programação – significam o dramático agravamento da situação que já existia: a de, em cada ano, centenas de projectos valiosos serem administrativamente adiados ou inviabilizados, de centenas ou milhares de criadores e outros trabalhadores da cultura verem a sua actividade cerceada e frustrada, a da área cultural ser inteiramente colonizada, sem alternativa, pelos produtos mercantis, rotineiros e homogeneizadores das indústrias culturais.

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Para o Governo e a troika, a Cultura situa-se no plano de um adereço da sociedade ou de um privilégio das elites. Para nós, que afirmamos que esta crise não tem saída democrática sem a intervenção determinante dos trabalhadores e do povo, a Cultura deve assumir um papel central. A Cultura enquanto serviço público que assegura o direito de todos ao acesso, à criação e à fruição cultural. A Cultura, elemento central na formação da consciência da soberania e da identidade nacional, dialogando, de igual para igual, com toda a cultura de todos os povos do mundo. A Cultura, com o seu imenso potencial de criação, liberdade, transformação e resistência. A Cultura que, tal como a emancipação do trabalho, é parte essencial do património do futuro.

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É nesses termos que afirmamos: da mesma forma que o programa da troika conduz a economia ao desastre e o país à ruína, a política cultural que agora ainda se agrava ameaça a catástrofe num sector já em profunda crise: com o PREMAC, com a asfixia financeira, com a inteira demissão do Estado em relação aos objectivos de desenvolvimento e democratização de que a Constituição o incumbe. O tempo de pôr fim a este rumo de desastre é o tempo de hoje. Tempo de protesto e de recusa. Tempo de mobilização de toda a inteligência, de toda a criatividade, de toda a liberdade, de toda a cólera contra uma política que chama “austeridade” à imposição de um brutal retrocesso histórico em todas as áreas da vida social. Defender a Cultura é uma das mais inadiáveis formas de fazer ouvir todas as vozes acima do medíocre ruído dos “mercados”. Manifestamo-nos EM DEFESA DA CULTURA. E agiremos em conformidade.


15 de Dezembro de 2011